sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Não estou detrás da prancheta

 Sentado em um banquinho velho, lá no fundo do quintal em uma noite extremamente quente e amargando mais uma perda. Uma dentre várias que esse ano me proporcionou, diga-se de passagem, reflito sobre parar.

Esse ritual se prolonga por noites e mais noites, sempre com a companhia dos meus cachorros, vez ou outra lembrando dos que se foram. Eu estaria mentindo para você se dissesse que de vez em quando as lágrimas não escorrem, sabe? Mas não vou me fingir de forte, pois acho que essa é a minha versão mais surrada e fragilizada até agora.

Já disse sobre parar antes, né? Só que dessa vez é diferente.

Desde uma certa tarde, em uma cidade há duas horas de distância do cu do mundo onde moro, em um supermercado gigante em frente ao hospital onde eu tinha ido fazer uns exames e uma tomografia para a coluna, quando vi minha mãe tendo de escolher legumes para bater certinho com o dinheiro que tínhamos e um maldito segurança ficava me seguindo para cima e para baixo, sempre olhando qualquer movimento que eu fazia perto daquelas prateleiras, tenho pensado em parar.

Penso nas escolhas que fiz, nos caminhos que escolhi, nas decisões que tomei e na burrice de acreditar em um sonho em que até os mais talentosos e geniais dos artistas de quadrinhos não obtiveram sucesso. Quer dizer, o quão arrogante eu fui por achar que eu teria sucesso na área?

Essa cena do supermercado me atormenta dia e noite desde então, não suporto lembrar desse maldito segurança e da minha mãe tendo de escolher os legumes por causa dos centavos contados, um filho decente e adulto responsável conseguiria pagar pelo o que quer que fosse que os pais quisessem, não é? Afinal, bons pais merecem isso e eu devo isso à eles.

No fim das contas é por dinheiro mesmo, não vou me enganar por meus ideais, a gente vive num mundo capitalista que está ruindo e mesmo assim é o dinheiro que te faz ser alguém, o seu poder de compra é que faz com que você tenha algum valor, ter um "trabalho de adulto" é o que te torna alguém visível perante familiares, amigos e conhecidos.

 Sentado no fundo do quintal, no escuro e com os cachorros me amparando, pensando em parar, pelo menos eu lembro que sou sortudo. Sempre tive sorte  em encontrar gente interessante, tenho alguns amigos (infelizmente nenhum mora perto de mim) que sempre me ajudaram em tudo, tudo mesmo, há pessoas que nunca vi na vida, com quem nunca troquei uma palavra, que também já me ajudaram.

Eu sou sortudo, mas mesmo assim isso não basta.

Eu penso em parar, mas se eu o fizer não vou aguentar a vida, sem romantismo ou exageros, isso é algo que já fiz questão de expor para a minha família e o faço agora para você, pois fazer quadrinhos é minha âncora. 

Numa dessas noites o meu irmão mais novo foi lá comigo, acabei falando para ele algumas coisas e sobre parar, ele diz que não posso desistir, de alguma forma ele sempre acreditou em mim, desde criança ele sempre foi apegado e acho que por um tempo eu até fui aquele tipo de irmão herói para ele, embora hoje em dia eu seja algo como um irmão ruína. De irmaozão para Irmãoruinado.

Eu vou continuar pensando em parar, não acredito mais que tenho futuro no mundo dos quadrinhos, sempre penso que meu fim vai ser ruim, mas vou seguir fazendo quadrinhos porque é a única coisa que sei fazer, pelo menos até o dia em que (por milagre) aparecer alguma coisa que pague melhor. 

Mas sabe de uma coisa? Lá no fundo, bem pequeno e como uma luz de pisca-pisca quase queimada, ainda tem algo que faz eu sempre dar mais um passo nesse caminho de pedras em que ando descalço. Se isso é bom ou ruim, vou descobrir com o tempo.

Inté.


PS: sei que o segurança estava fazendo seu trabalho, mas isso não me impede de odiá-lo assim mesmo, porra.