sexta-feira, 21 de setembro de 2018

Desabafo


Esse texto não trata sobre outros quadrinistas, não fala sobre como é a vida de um quadrinista e nem quer dar uma lição de moral ou qualquer coisa do tipo.

Esse texto é apenas uma necessidade minha de falar sobre o que estou falando nele.


Desde que me entendo por gente eu sempre gostei de quadrinhos, muito disso se deu pela minha mãe me dar quadrinhos e ler quadrinhos para mim, pois ela gostava de quadrinhos e se você me perguntar qual foi o primeiro quadrinho toquei na vida eu respondo sem titubear: O Fantasma.


O Espirito que anda
A minha infância foi lendo gibis e ficar rabiscando os personagens que eu gostava, mas até então eu não almejava ser um quadrinista, naquela época eu queria ser médico, lembro muito bem dos meus pais orgulhosos por eu, sendo um molequinho catarrento, já ter botado na cabeça que queria ser médico.

Mas então… Naquela noite, na noite de aniversário de um ano em que a invasão onde morávamos deixou de ser invasão e virou bairro, nessa noite em que fizeram uma grande festa onde todos participaram e eu estava na área para crianças, nessa noite eu vi, naquela TV minúscula que estava na mesa do DJ, eu vi Akira.

Algo se abriu na minha cabeça, sinto como se tivesse sido suspenso no ar ali mesmo e juro que não lembro de mais nada daquela noite, só de Akira e de como aquilo era diferente e lindo demais, lembro também que a vontade de ser médico morreu nessa noite.






Passou-se um tempo desde que eu tinha assistido Akira e eu já tinha conhecido o mundo dos mangás, acho que o primeiro que li foi o Dragon Ball, uma edição em que o Vegeta estava lutando contra um dos generais do Frieza, nesta edição vinha dois ingressos para o filme que tava estreando no Brasil. Li e reli diversas vezes esse mangá e depois de ter conhecido mais mangás a minha vontade de fazer quadrinhos só, aumentou assim como a minha vontade de aprender a desenhar profissionalmente.

Foi com uma dessas que eu aprendi
a desenhar, não achei nenhuma
imagem do encarte

E assim, como se Deus tivesse ouvido minhas preces (gosto de pensar que ele olhou pra mim e deu essa forra), eu estava vindo da escola numa bela manhã e passei por uma lixeira, olhei de relance e vi um encarte de um curso de mangá, não pensei duas vezes em meter a mão na lixeira, tirar toda aquela sacada fedorenta e pegar o encarte. Cheguei em casa fedorento e quase apanhei da mamãe, mas o encarte estava seguro e secando ao sol (ele tava meio molhado).

Passei anos com esse encarte, ele ensinava apenas como desenhar a cabeça e o corpo em estilo mangá, por um bom tempo eu fiquei só naquilo e foi bom.




Consegui me sair bem em concursos de desenho da biblioteca móvel que eu frequentava, foi uma época muito feliz da minha vida. Algum tempo depois teve uma chuva daquelas e inundou minha casa, perdemos diversas coisas, entre elas todos os meus quadrinhos e o encarte, desta época o que ainda resta é a estante onde costumava guardar as revistas.

Fiz questão de manter ela comigo, mesmo estando velha e, aliás, hoje é ela que guarda meus quadrinhos também.

Passado alguns anos e muitas coisas, acabamos saindo da capital para vir morar no interior (que moramos atualmente), aqui eu consegui comprar o curso de mangá completo da Editora Escala e passei muitos e muitos meses devorando esses dvds e estudando o que dava para estudar com eles.

Com isso eu posso dizer que noventa por cento da minha juventude foi desenhando e estudando quadrinhos, não tenho lembrança de grandes amores estudantis, não tenho lembrança de grandes aventuras com meus colegas de classe, não tenho lembranças de grandes festas, mas tenho a lembrança de madrugadas gloriosas em que eu estava terminando alguma página ou algum desenho, em que eu estava descobrindo algo novo ou aprendendo uma técnica nova, lembranças de uma feira em que vendi um fanzine com outros amigos.

E isso me quebrou.

Eu perdi diversas coisas por optar fazer quadrinhos, perdi momentos, amores, amigos… E agora eu sou corajoso o suficiente para dizer que me arrependo por isso.

Mas que fique bem claro que não me arrependo de fazer quadrinhos, eu escolhi isso.

Das coisas que me arrependo é consequência das minhas escolhas e isso me deixa satisfeito, pois eu fui capaz de ir contra todos os planos de vida que haviam feito para mim, professores, pais, amigos, irmãos, familiares. Os planos deles eram melhores que os meus? Talvez, não tenho como saber. Mas por que eu fico feliz por ter seguido os meus?

Porque eu tive o controle das escolhas e das minhas ações, pode me chamar de cabeça dura, de idiota, do que for, eu não vou discordar de você, mas você só não vai poder dizer que eu não fui corajosos o suficiente para ser responsável pelas minhas escolhas.

Alguns anos antes do que estou vivendo agora, estive na merda e fui salvo por um livro chamado GO do Nick Farewell, algum tempo depois eu fui salvo por um mangá chamado Beck do Harold Sakuishi e isso me fez acreditar de novo no que eu queria com quadrinhos, me deu fogo novamente e me fez querer fazer quadrinhos para ajudarem outras pessoas, esse é meu intuito com quadrinhos, quero ajudar assim como eles me ajudaram em diversos momentos que não listei nesse texto.

Atualmente eu não tenho uma conta bancária gorda (nem conta bancária eu tenho), não tenho um nome conhecido no meio de quadrinhos, mas isso não vai me fazer parar de fazer quadrinhos, pois tem pessoas que acreditam nos meus quadrinhos e isso já é o suficiente para me fazer continuar e quer saber o que mais? Toda vez que sento pra desenhar e pego no bico de pena ou pincel, me sinto o cara mais feliz do mundo e isso faz todo os meus sacrifícios valerem a pena.

Você pode não entender, pode me achar um louco, pode achar que sou idiota, pode achar que isso é uma visão romântica demais das coisas, pode achar que estou no caminho errado, pode achar muitas coisas, eu não vou lhe censurar por isso, mas por favor, não tente me parar, nunca.

E deixo aqui o trecho de GO que nunca sai da minha cabeça:

"Dizem que a vida é cheia de altos e baixos. Mais baixos do que altos, como você pode ver pela minha própria vida. Mas quando tudo estiver ruim, lembre-se destas duas letras que formam uma palavra: GO. Vá. Vá em frente. Escreva, desenhe, pinte, fotografe, dance, costure, atue, cante. Portanto, quando estiver ruim, lembre-se destas duas letras que formam uma palavra. GO. Vá em frente.
Apenas faça."